segunda-feira, 23 de agosto de 2010

OLHARES IV - A Solidão


Hoje discuti com a minha mãe...
Esse é um fato a ser memorável porque dificilmente acontece...
É engraçado como os pais encaram toda discussão entre pai e filho como uma projeção sobre si mesmo e o quanto foram bons ou não na função de ser pais...
Ao fim a minha mãe disse: “Sei que você vive pelo mundo em busca de uma mãe...”; É uma pena que a minha mãe me conheça tão pouco, porque, se de fato conhecesse, saberia que ando pelo mundo em busca de mim mesmo...

Me olho no espelho e me intrigo quanto a construção que fiz de mim mesmo, alguma coisa entre ser e nada ser que nada diz de si mesmo ao não ser da busca. De alguma forma, acho que sou injusto em querer que ela entenda o que eu não entendo...

Hoje é mais um daqueles dias únicos... Ontem também foi um dia desses únicos; e também antes de ontem... Acho que adoraria dias iguais aonde eu apenas amanhecesse e vivesse só por estar vivo... Mas hoje se fez um dia único porque, só por hoje, permito-me uma trégua de mim mesmo, uma trégua nesse eterno trânsito entre o paralelismo do concreto e o utópico... baixo minha guarda no exato ponto aonde estou, sem me preocupar se avancei ou retrocedi, se acertei ou errei...

Adoraria sentir pena de mim mesmo e me chorar, chorar o luto de tudo o que não consegui ser, mas não consigo... sei-me ser o que escolhi livremente ser, e isso inibe qualquer melindrar meu sobre mim mesmo... Olho-me no espelho e aceito essa interrogação enorme nos meus olhos; de alguma forma tenho medo de admitir já ter achado o que procuro – isso me tiraria o prazer da busca e, sem ela, sem a busca, temo nada haver do que sobra para contar a história do que fui.

Hoje é justamente o dia de parar um pouco de me enganar e admitir a minha solidão, e nela está o novo olhar que proponho a partir de mim mesmo.

A solidão, para mim, é um daqueles conceitos que não permitem ser delimitados; acho mesmo que, para cada pessoa, há um limite próprio. De mim mesmo descobri um incrível gosto por pessoas que não tenho como explicar – adoro as pessoas e suas histórias. Adorando as pessoas tratei sempre de acercar-me delas de forma a estar sempre acompanhado.

Se acompanhado não só!!! É o pensamento mais óbvio diante da afirmativa, não é?

Aí o novo olhar proposto: um olhar sobre a solidão que se sente em se estando acompanhado...

Nós, seres humanos, temos o olhar fixo em nós mesmos. Até quando olhamos para os outros, e nos congratulamos por uma atitude tão altruísta, estamos buscando a nós mesmos no pouco que podemos reconhecer da nossa história naquela outra, ou encantados, como Narciso, com a nossa imagem refletida no olho do outro. Olhamos para o outro tentando reconhecer os nossos defeitos numa busca insana de encontrar outros culpados para os nossos crimes e tranqüilizarmos nossa consciência; ou ainda, em duas terríveis hipóteses, olhamos para a desgraça do outro congratulando-nos porque aquilo não está acontecendo com a gente, ou para a vitória do outro estabelecendo-a como parâmetro para nossa baixa estima...

Assim, mesmo acompanhados, estamos sempre sós. Sós pelo mundo do outro que nosso olhar umbilical não nos permite enxergar, e dolorosamente sós pelo nosso próprio mundo que ninguém vê...

Hoje admito-me só pelos dois motivos...
Só abro mão de uma dor que me constrange: a de ser só acreditando-me acompanhado. Hoje sinto-me só sabendo-me só...

Aqui, agora, eu, uma música instrumental altíssima tocando sem que eu saiba seu nome ou autor, a velha interrogação nos meus olhos me perguntando coisas que não sei, solidão aqui dentro, e lá fora uma vida inteira por ser vivida...

Escutei isso num filme e repito por sua relação comigo mesmo: "as poucas vezes em que não me senti só foi quando estive ligado intimamente às pessoas"...

...

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