sábado, 21 de agosto de 2010

OLHARES II - A Síndrome da Contemporaneidade

Aqui estamos nós mais uma vez, os olhos e as lentes pelas quais olhamos o mundo...
Acho que, de alguma forma, essa é uma meta postagem sobre o tema “olhares”, porque diz respeito às lentes com as quais olhamos o mundo, as coisas – interiores e exteriores, e a nós mesmos...

A questão é que essas lentes são formadas pelas nossas experiências, e isso compreende um amplo quadro de influências sociais, culturais, familiares; dores e alegrias; lágrimas e risos; certo e errado; e todas as formas e vozes possíveis e imagináveis que falam aos nossos ouvidos e às nossas mentes construindo o que entendemos por nossos valores e formatando as nossas prioridades.

É notório também que o nosso pensamento muda em resposta a cada fase da vida: quando crianças pensamos como crianças; quando adultos como adultos; e assim sucessivamente. Há inversões, é verdade!!! Conhecemos crianças “adulteradas”, adultos infantilizados, também adultos senis, e velhos na puberdade... kkkkkkkkkkkkk... Mas, em linhas gerais, cada fase corresponde a um olhar, um foco, uma lente próprios.
Parece natural, e até bacana!!! Mas lancemos olhares sobre esses olhares:

1 – Na maioria das vezes essas lentes são anexadas a nós, por nós mesmos (diga-se de passagem), sem uma justa apreciação. Dizemos coisas porque todos dizem; construímos nossos valores e noções de certo e errado sob a idéia do senso comum, do que todos dizem ser certo ou errado; e acabamos por nos pegar, vez ou outra, transgredindo essa ou aquela noção, não porque somos ruins ou maus, mas porque não fizemos desse exercício e formulação de valores uma experiência pessoal, significativa, entendeu?
2 – A memória e os estereótipos incidem diretamente sobre essas lentes! Em conseqüência da memória acabamos por nos tornar “contemporâneos demais”; não conseguimos conservar os olhares antigos – adultos não lembramos como é que olhávamos quando crianças (e assim por diante). E também existem os estereótipos e papeis sociais definidos – para cada fase o seu conjunto – e também as repressões sociais a quem se distancia, mais ou menos, desses estereótipos e papeis.
Muito blá blá blá? Também estou achando, acredite!!! Kkkkkkkkk... Mas foi necessário para os olhares subsequentes. Continue acompanhando o raciocínio:

Você não acha estranho que os pais, um dia tendo sido filhos, os entendam tão pouco? Ou os adultos, tendo sido crianças, tenham tão pouca sensibilidade e paciência para com as crianças?

Isso é o que chamarei “síndrome da contemporaneidade”!!! Seria uma espécie de fixação na lente imediatamente atual, com seus padrões, e as emoções próprias anexadas a ela. Por exemplo: Uma mãe, ao fazer um exercício de memória, conta que se sentia muito presa pela própria mãe, a quem achava repressora. Ao rememorar, ela olha pela lente da fase em que viveu e reencontra as emoções ligadas aquele momento (olha para si mesma e sua história e acha justo sentir-se reprimida); em contra partida, não aceita as reclamações da filha para com a mesma questão – liberdade e repressão. Entenda-se: ao olhar agora para a filha, essa mãe olha com as lentes do estereótipo de mãe, e por ser contemporânea demais a si mesma, sente-se até ofendida pelas colocações da filha.

Há nesse exemplo um traço de ignorância sensível – que é o olhar aonde esse blá blá blá todo queria ao fim chegar. A mãe, não transcendendo sua “contemporaneidade”, sua prisão às emoções e aos valores anexados ao seu atual estado, não consegue, mesmo se recordando das suas aspirações juvenis, entender a filha que hoje passa por aspirações semelhantes, nem tão pouco entende a própria mãe, estando agora em situação semelhante à que ela ocupou; sente-se vítima em ambos os casos, da mãe que a reprimia e da filha que não reconhece seu amor e seu esforço.

Aqui chegamos ao lugar pretendido, ao olhar sobre os olhares que nos indica: “nunca jogar fora os antigos óculos!!!”.

Essa medida é o ponto de partida para uma serie de melhoramentos na nossa relação conosco mesmos e com os outros. Tentarmos olhar com os olhos que outrora olhamos ajuda-nos a reconhecer nossos avanços, também nossos retrocessos nalgum ponto. Esse olhar pelas antigas lentes do nosso eu de outrora nos capacita também a tentar olhar pelo foco do outro, ampliando nossa sensibilidade e compreensão do tempo e da maneira de ver e sentir do outro, nos tornando assim ainda mais capazes de entender conceitos superiores como AMOR e MISERICÓRDIA.
Sem contar que, nas nossas lentes antigas, estão as chaves para a liberdade das prisões sociais; por exemplo: desejar muito comer doce e lamber os dedos no final; não reprimir-se por rolar a noite inteira de ansiedade antes de uma viagem muito desejada; chorar quando as coisas apertam e antes de uma decisão muito importante para eliminar tensões e apaziguar o espírito; deitar no colo de alguém e pedir um cafuné; soltar pum alto quando ninguém estiver vendo; não guardar rancor dos amigos; não precisar competir sempre; dormir de pijamas de ursinhos (essa foi boa kkkkkkkkk)...

Enfim!!! Fazer das antigas e tão encantadoras lentes o escape necessário para com as tensões da nossa contemporaneidade. Permitir-se não ter que vencer sempre, nem ser tão arrumadinho sempre. Redescobrir o valor de rir alto e chorar com a mesma intensidade. Fazer da experiência de “amadurecer” uma experiência de “acumulo de olhares” de forma a podermos olhar sempre tudo, todos, e a nós mesmo, sob os mais diversos pontos de vista e reconhecendo-nos sempre como seres de possibilidades.

Tenho certeza que assim, a cotidianidade, até as coisas mais simples, assim como as meritórias de admiração, começarão a ganhar novo sabor, nova cor, e um maior pluralismo de significação, transformando a vida numa linda jornada de deleite para os sentidos, de entusiasmo para a mente, de calor para o coração... Uma vida de significação no mais literal sentido da palavra para quem a vive; e uma vida significativa para as pessoas que conosco convivem e, porque não dizer, para a humanidade inteira.

Bem vindos ao mundo multisignificativo dos olhares!!! Iuhuuuuuuuuuuuuuu!!! Kkkkkk...

Obs: Quando criança adorava nadar; não tenho nem como descrever o prazer que eu sentia nisso... A questão é que perdi esse gosto, e todas as vezes que tive contato com a água procurava aquele prazer antigo sem achar. E sentia muito por isso!!! Mas outro dia estava eu lavando a garagem da minha casa, fazia um dia incrível de sol e tocava axé no som do quarto da minha irmã (inclusive uma música que não gosto). Por um instante eu me desliguei do meu eu atual, imerso naquele trabalho tão mecânico e simples de lavar, e vi as minhas lentes atuais serem trocadas pelas antigas e todo o prazer e a significação dos dias de sol e de nadar voltarem como que por mágica, um verdadeiro milagre. E o prazer de tão incrível retorno e o valor disso para a melhoria de quem sou agora, ao escrever isso, me fizeram desejar partilhar esse olhar sobre os olhares. Desejo que tenha sido para ao menos um de vocês, que conseguiu ler até o final, de algum proveito. Bj na bunda!!!

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