sábado, 4 de setembro de 2010

OLHARES V – Separação


Puxa vida! Esse tema é pesado!!!
E por que não dizer doloroso?
Enfim! Pensemos juntos “Separação”...

Separação é coisa da dimensão do “não dá mais”; diz respeito a não mais se estar disposto a empregar forças à manutenção da relação.

Nessa palavra – RELAÇÃO – a primeira chave para nossa reflexão.
Toda relação é uma construção coletiva de, no mínimo, duas pessoas; não existe relação a sós! Tem até quem fantasie isso, mas é coisa da total pessoalidade.
Detenhamo-nos à relação a dois. Pensa comigo: dois mundos diferentes; duas histórias de vida diferentes; duas idéias de realização, perspectivas de felicidade e expectativas de futuro, diferentes; a própria compreensão do que seja relação, diferentes – existe alguma possibilidade disso dar certo?

Se tomarmos por parâmetro apenas a dimensão racional a resposta será NÃO! Mas precisamos contar com a magia do amor... Ah! O amor... Essa é a única força capaz de fazer esse emaranhado de diferentes “dar certo”. Ele, o amor, é força capaz, em si mesma, de amolecer as estruturas de uma forma a permitir adaptações, junções, colisões, fricções, de uma forma tão significativa que o que era impossível de mensuração pela mente torna-se possível e real: esses mundos tão diferentes se fundem em relação. Bonito isso, não é?

Tai, a segunda palavra que tomaremos por base de reflexão é essa – FUSÃO. O amor faz com que esses mundos tão diferentes se fundam de uma forma tão significativa que as identidades, na construção que fazem de si mesmas para si mesmas, já não conseguem mais se pensar um, mas dois. Significa dizer que as pessoas perdem sua identidade e individualidade? Claro que não!!! Apenas que, agora, reconhecem um outro sentimento, um outro gosto, uma outra noção de coisas além da sua a ser reconhecida, valorizada, levada em consideração, num processo tão bonito de identificação que os dois e, cada um, se pensam dois; eles sabem que suas escolhas afetam diretamente o outro, e esse identificação com o outro faz mesmo com que essas duas identidades reconheçam-se apenas uma, mesmo sem compreender isso.

Você consegue compreender como isso é sério? Imagine você que, duas pessoas, com suas duas histórias e identidades, agora se decidem por uma história só, se afinizam, fundem, misturam de uma forma tão significativa que até confundem sua própria identidade com a identidade do que são JUNTOS.

Chegamos mais uma vez ao ponto crucial de reflexão – SEPARAÇÃO. Ela ocorre quando um dos elementos da relação já não se reconhece mais nela, e cindi, rasga, quebra, desfaz a sintonia. Dá pra mensurar o quanto isso é sério? Contemplemos:

1 – Não existe separação sem dor – pensar diferente é burrice! Na separação há perdas de ambos os lados, cada um fica com a parte do outro fundida à sua, e a separação dessa parte não é tão simples quanto a separação de bens. Não há como medir a parte de nós que cabe no outro e a parte do outro que cabe em nós, por isso, em toda separação, mesmo para a parte que a propõe, a reconhece como necessária, será de alguma dor, pelas brechas e fendas que abrem na idéia de segurança – todas as construções afetivas até ali haviam sido feitas na segurança da presença do outro; a quebra dessa perspectiva meche na nossa frágil relação com a necessidade de segurança e requer a reformulação da identidade pessoal agora, de novo, na perspectiva do um.
2 – Recomposição da identidade – essa é uma fase muito difícil! É o famoso – SE REFAZER. E é isso mesmo, é o refazer dos planos, dos sonhos, da idéia de felicidade e realização, tão atrelada até ali ao outro, agora numa nova perspectiva, a de retorno a uma identidade pessoal a muito não exercitada, confortada na segurança do outro que agora já não mais estará lá.
3 – Ódio e mágoa – há casos em que a separação é uma escolha mútua, reconhecida pelas duas partes como algo necessário, e isso não necessariamente quer dizer que doerá menos, apenas que será mais fácil de lidar por sua compreensão. Mas, na maioria das vezes, pela compreensão diferente que as partes têm da mesma relação, a separação é escolha de apenas uma delas. A parte que decide pela separação tem, a seu favor, as justificativas que se dá para “partir”, mas e a outra parte? Ainda ama, ainda quer, ainda acredita, ainda necessita, ainda sonha, é relutante em se reconhecer sob a ótica de sua própria identidade; não encontrando razões em si para a separação demora mais a se refazer, a se adaptar. Nessa adaptação recorre, inconscientemente, ao ódio e a mágoa como forças suficientemente fortes para combater e matar aquele amor que insiste em buscar o outro – é preciso denegrir, interiormente, aquela imagem que ainda encanta de forma a dar a si “razões” para não mais amar.

Mas o que faz a separação tão dolorosa é a dificuldade de refazer a identidade? São as rupturas e divisões? São as palavras duras e os pensamentos mesquinhos usados para desfazer o feito e justificar o fim?

Não! Não é! E aí o nosso olhar de hoje: O que dói mais na separação não é o que vivido (de bom ou ruim), afinal foi vivido, experimentado; não são as palavras ditas, porque já foram ditas; não são as maravilhosas noites de amor, porque foram vividas com intensidade; não foram as discussões dolorosas com dias de silêncio e reconciliação... Não!

O que mais dói na separação é tudo o que ainda havia por ser vivido:

São os beijos de amor ainda por ser dados; são as brigas por coisas banais que ainda renderiam noites e lágrimas; são as férias num lugar desejado ainda por visitar que, podem até vir a acontecer mas, sem o outro, não terá o mesmo sentido...
O que mais dói numa separação é o não vivido que, com ela, morre, sem mais possibilidades de vir a ser...

E o mais complexo é ter que admitir para si mesmo que o outro, com seus méritos e defeitos, é alguém tão incrível que a vida não será a mesma sem ele, até melhor, ou quem sabe pior, mas nunca mais a mesma...

Ufa! Reflexões doídas essas, viu? Não estou me separando, mas dói aqui dentro.

O maravilhoso é também, ao fim, poder reconhecer a mutante capacidade que nós, seres humanos, temos de reconfigurar e redescobrir a nossa felicidade; podemos até nos perder por um tempo, às vezes até sofrer um pouquinho mais do que o necessário, mas sempre chega o dia em que acordamos disposto a fazer novas escolhas e ver que o sol brilha, brilhou e brilhará, indiferente ao tempo que faça lá fora. Aconteça o que acontecer, o sol continuará brilhando para todos e, enquanto ele brilhar, estaremos sempre encontrando novos caminhos de felicidade, a sós ou acompanhados.

P.S.: Anexo aqui, ao fim, três canções, uma de Roberto, outra de Claudio Lins e ainda uma de Ferjat. Recomendo que escutem para que completem nosso olhar de hoje.

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