Em toda a minha vida, sempre
ouvi dizer da difícil tarefa de perdoar. Quando criança, não entendia muito...
Essa coisa de aborrecimento durava sempre tão pouco que essa tal dificuldade
não fazia sentido algum. Acho que mesmo tendo nascido senil, quarentão desde o
berço, sempre vivi o paradoxo de manter num mesmo peito, sentados um no colo do
outro, em uma profusão de identidades tão grande a ponto de não poder
separá-los, o velho que sempre fui e a criança que sempre serei. É com base
nisso que tento explicar que, mesmo reclamão e intolerante, muitas foram as
vezes que me peguei achando comuns falhas intoleráveis e, assim, descobri de
mim mesmo que sou um bom “perdoador”, se assim fica bem entendido.
Mas, por outro lado, o ato de
ser perdoado que, no senso comum, sempre se mostrou tão tranquilo e fácil, se
desvelou para mim como algo extremamente complexo e de uma extrema
responsabilidade. Como? Vou tentar explicar:
Algumas pessoas fazem do ato de
serem perdoadas um exercício reflexivo de apreciação da desavença que produziu
a tensão e a mal querência que fez ser necessário o perdão. Eita bexiga! Quase não
chego ao fim dessa frase... Deixa tentar de novo: Quando são perdoadas, algumas
pessoas, sensatas, olham para o problema que gerou a tensão, reflete a ação de
cada parte, e faz daquele problema um trampolim para o acerto. Se sentem gratas
pela nova chance, porque o perdão é uma nova chance para a manutenção da
relação em risco, e seguem ainda mais seguras, mais resolutas, na certeza de
que, ao menos não intencionalmente, naquela mesma pedra, não mais tropeçarão.
Ao menos assim é o que se
espera... é o que parece mais sensato... é o que produz mais efeitos
positivos...
Mas é sempre assim? Claro que
não!
Descobri, nesse exercício extremamente
prazeroso e doloroso de olhar a vida, que uma quantidade consideravelmente
grande de pessoas costuma fazer péssimo uso do perdão que recebem. Como? Deixa eu
tentar explicar também.
Algumas pessoas tem de si uma
visão tão autocêntrica que, em primeira mão, acham que, obrigatoriamente,
precisam ser perdoados. Têm para consigo mesmos uma visão tão misericordiosa
que, cometendo erros, quando diante da possibilidade de não serem perdoados,
sentem-se ofendidas, injustiçadas, não importando o mal que possam ter feito a
outrem. Esse é o principal traço da personalidade dessas pessoas: uma
concentração tão absurda em si mesma, no seu estado emocional, que se colocar
no lugar do outro para avaliar consequências se faz uma tarefa quase
impossível.
Mas os danos desse tipo de mal
recebedores de perdão ainda não estão esclarecidos. Tudo bem! Choram, reclama
injustiça, até admitem o erro (levando mesmo a fazer achar que refletiram
sobre) e, na maioria das vezes, acabam recebendo perdão. No caso anterior, o
ideal, falamos do perdão como a chance de fazer refletir e não incidir
novamente no mesmo erro, não foi? Com esse tipo em específico não é assim. Não
sei que “tiuti” da no juízo que o perdão se faz parâmetro para errar mais.
Já se acham, a todo tempo, merecedores
de perdão. Ao ser perdoados, confirmam isso, e acreditam que acharam o caminho,
que quem perdoou uma vez, vai perdoar de novo e, para decepção, se não da
humanidade inteira mas minha, voltam a repetir o mesmo erro que já foi colocado
em cheque antes, só que com um grau maior de má fé – na primeira vez talvez não
tivessem noção dos possíveis danos às pessoas ofendidas, mas, nas vezes
seguintes, essa ação danosa se faz totalmente consciente.
Pobres de nós que corremos esse
risco... e digo de nós, porque, gente como toda a gente, não vou cuspir pra
cima e ver cair na careca, sujeito a mesma condição confusa de ser gente,
humano, em construção.
Por isso vivo a refletir e,
embora isso produza uma profunda dor na alma quase sempre, sofre-se com um
considerável gozo, o de saber-se construindo, moldando; não mais alguém fadado
a nascer, crescer, trabalhar, trabalhar, trabalhar mais um pouco, reproduzir,
trabalhar, trabalhar e morrer; o gozo de saber, não aonde ir, mas como quem
pretende ser ao chegar.
Para finalizar, como sempre o
desejo profundo, de que o mundo se encha de excelentes perdoadores mas, ainda
mais, que se multipliquem as pessoas com zelo por suas relações humanas, as
mais diversas, de forma a fazer crescer a capacidade de se colocar no lugar do
outro, antecipar o que doe e evitar o corte, minimizando a necessidade de se
pedir perdão. Com mais “perdoadores” e menos “pedidores de perdão” teríamos uma
equação bem mais ajustada nessa seara de oferta e procura.
Como estímulo, fica essa arte
que me encantou essa semana:
4 comentários:
Sempre tive dificuldade com este tema, por não saber sobre a intensidade que ele provoca em nós! Achava meio maçante e puramente religioso! Anos após o falecimento de minha mãe, passando por grande sentimento de culpa, recebi a redenção do perdão! Foi um momento marcante e libertador! Trouxe-me uma gama de sentimentos bons, altruístas!
Seu excelente texto me fez repensar tudo isso!
Grande abraço
FICO FELIZ QUE O TEXTO TENHA SIDO ACOLHIDO POR VC, AMIGO GERA SOUZA!!! RETRIBUO O ABRAÇ!!!
FICO FELIZ QUE O TEXTO TENHA SIDO ACOLHIDO POR VC, AMIGO GERA SOUZA!!! RETRIBUO O ABRAÇ!!!
Inteligente, tocante! Muito bom, gostoso de ler.
Uma bela forma de ver a vida!
Continue assim nos alimentando a alma com seus postes brilhantes!
parabéns! Um grande abraço
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