domingo, 28 de março de 2010

O bumerangue

Estávamos, Pepé e eu, falando sobre relações... Em como nosso grupo de amigos, em tantos momentos unido no ano passado, agora estava disperso; cada um, a seu modo, em busca de realização. Pensamos no quanto era bom e fácil nos amarmos quando juntos e partilhando sempre, e em como é difícil agora manter o mesmo vínculo à distância.
Nesse ponto voltamos ao velho ponto da liberdade, e pude reafirmar o que para mim é a exigência mais sublime do amor: EMANCIPAR, DEIXAR PARTIR.
Numa coincidência, também com Sandrinha e Anne BB o tema da posse, projeções e expectativas nas relações, voltou.
Daí, tomando emprestado a magia e o encantamento pedagógico dos contos, redigi esse, que desejo, do mais profundo do coração, ser para nós, e para todos vocês que, de alguma forma lêem esse blog (em especial a alguém do estremo oeste dos Estados Unidos e também alguém de Portugal, pela fidelidade a esse ponto nosso de encontro), um profundo momento de reflexão.

O bumerangue

Certo dia um zeloso pai estava consertando a bicicleta do seu filho, tirando as rodinhas de apoio, quando ele chegou aos prantos:
- Pai meu passarinho foi embora! Aproveitou um tempinho em que eu estava botando comida pra ele e deixei a porta aberta, e voou...
O pai, atento ao serviço a que se dedicava, não conseguiu ver muito no fato de um passarinho voar da gaiola e disse:
- Não chora filho! Isso acontece...
Mas o filho não se conformava:
- Mas pai, ele não podia ter voado! Eu o amava tanto... Mantinha a gaiola dele sempre limpinha, a água fresca e a comida sempre renovada... Tentava proteger e ser um bom para ele como o senhor é para mim, e mesmo assim ele fugiu. Ele não podia ter feito isso comigo! Ele era o meu passarinho. Eu o amava, mas acho que ele nunca me amou...
O filhinho não parava de chorar, e diante de tão bons e sofridos argumentos o pai resolver dar-lhe uma lição:
- Não pense assim, filho! Seu pássaro o amava sim! Mas você esqueceu uma coisa: ele não era seu...
- Claro que era! Foi o senhor mesmo que me deu de presente, lembra? – contra-argumentou o filho.
- Meu filho, cada ser no mundo tem um instinto e uma essência a cumprir. Está no instinto do pássaro voar, e na sua essência a liberdade. Por isso afirmei que não era seu. A gaiola limpa, a água fresca, a comida renovada, o carinho que você dispensava a ele – essa é a sua essência e, embora fosse tudo muito bom para ele, não supria sua necessidade de cumprir a sua própria história e essência.
- Mas pai, solto, sozinho, pode ser que ele não encontre alimento, nem água...
- É verdade filho, você tem razão mais uma vez. Mas o seu pássaro, assim como as pessoas, embora falem sempre em querer se sentir seguras, não se conformam com a segurança, porque isso lhes limita a experiência. Por exemplo: sei que você pode cair, e não quero que se fira, mas estou tirando as rodinhas da sua bicicleta para que você se arrisque, faça a experiência, e consiga andar sem os apoios; uma espécie de risco necessário. Você vai cair, e mesmo te amando, não posso te proibir de andar de bicicleta apenas para te proteger; a única coisa que posso fazer é estar aqui de prontidão para curar os seus machucados quando você chegar ralado...
- Ainda não entendi, pai. Não consigo pensar que meu pássaro, a quem tanto amei e cuidei, tenha me deixado sem me sentir traído.
O pai então percebeu que, pela razão, não faria cessar a dor do filho, e que precisava também de um exemplo menos complexo para ensiná-lo.
- Filho, vai lá na sua caixa de brinquedos e me traga seu bumerangue.
O menino saiu correndo e num instante chegou com o bumerangue na mão.
- Pronto, pai, aqui está!
- Agora jogue ele com força. – disse o pai.
O menino fez como o pai havia sugerido, lançou o bumerangue com força e, como é próprio do objeto, ele girou, foi longe, e voltou. Quando o bumerangue tocou de novo a mão do filho, o pai retomou a explicação:
- Assim devemos agir com as pessoas que amamos, filho: deixando-as livres para ir, para seguir em busca de suas essências, de suas próprias idéias de realização. Dessa forma, como o bumerangue, se elas nos amam, sempre voltam, não porque são nossas, mas porque nos amam e querem voltar, querem ficar ao nosso lado...
Houve um breve silêncio... Por causa dele o pai, entristecido, achou que o filho não havia entendido nada...
O menino então se levantou devagar e o pai o acompanhou com o olhar; ele foi até a gaiola, limpou o cochinho e trocou a comida, lavou o bebedouro e encheu de água fresca, dirigiu-se até o peitoral da janela e os depositou ali...
O pai aproximou-se e perguntou:
- O que você está fazendo, meu filho?
- Talvez meu pássaro me ame e queira voltar. Se ele quiser voltar, quando ele chegar, quero que saiba que o esperei e que não quero mais colocá-lo na gaiola... E se ele não me perdoar por tê-lo prendido, outro passarinho pode vir e comer aqui; depois ele vai para a natureza e cumpre a essência dele de ser pássaro, mas no outro dia ele volta de novo para comer, assim como o bumerangue, e eu terei de novo um amigo pássaro vindo ficar comigo num ou noutro momento do dia, não porque eu o prendi, mas porque ele quis voltar...
Terminadas essas palavras o menino riu, saiu correndo, pegou a bicicleta que já estava pronta e sem as rodinhas, e saiu tentando se equilibrar. E o pai, ainda engasgado com a emoção do que tinha acabado de ouvir, olhava seu pequeno “bumerangue” se afastar sem dizer nada, apenas com uma silenciosa oração de gratidão a Deus em seu coração.


OBS: na próxima postagem continuaremos com o tema...

Um comentário:

Jasp disse...

Sabe o que eu mais adoro no seu blog? Não? rsrsrsrsrsrsr. Eu estou sempre nele de alguma forma. (Galera que lê este blog, eu sou o Pepé, prazer conhecê-los).
Gosto da ideia - não só a ideia, mas a concretização disso - de que fazemos parte indelével uns da vida dos outros. Como isso é perfeito!!! Quer dizer, somos o grupo mais livre de amigos que existe, porque simplesmente nos permitimos a grande experiência de amar, amar e amar... sempre em busca do que é mais pertinente e comum ao amor: deixar o outro ser o que ele é! Ser o que somos! Nossa: quanta diferença entre nós, quanta antítese e disparidade! Eu sempre acreditei nisso... Acontece que, somos tão diferentes e nos amamos tanto nessa alteridade, que parece que todos somos iguais, pelo simples fato de nos acolhermos na totalidade, com ou sem preconceitos. Eu amo a nossa grande família!!! Se você quer fazer parte dessa grande família ligue para 96... rsrsrsrsrs