Olhei de um lado, do outro, de
costas e de frente, procurando meu melhor ângulo. Não consegui decidir...
Inconformado, virei-me do avesso... E descobri-me em ignorância: estou em tudo!
Sou todos esses lados e também seus reversos, e posso olhar de cada um desses
ângulos sem, no entanto, me perder.
Dei emancipação às minhas
partes e as lancei, cada uma em uma direção diferente, em busca dos encantos
das pessoas e da vida, da música e da arte que se escondem nas rotinas
aparentemente mais patéticas, e me enviavam todos os encantos por um fio
afetivo invisível mais eficaz que as mais eficazes fibras óticas, nutrindo a
minha matriz de melodia e encantamento.
Daqui, do lugar rotineiro onde
me escondo, quase um Clark kent atrás de grandes óculos e uma pasta de
professor, dei por exercitar-me amante, e que exercício profundo de
descentralização. Num quase abrir mão da imortalidade pela substanciação
concreta do amor, enquanto todas as minhas partes iam pelo mundo em busca do
encantamento, aqui, de aparência rotineira e medíocre, decidi por agregar à
minha vontade, outra; aos meus sonhos, outros; à minha ideia de realização,
outra... E de quanto aprendizado isso me foi!!! Antes, apenas sabendo-me
amante, agora sendo amante.
E como é maravilhosa a alma
amante!!! Ela sacode-nos em nossas raízes e balança nossos ramos mais extensos
como que para testar nosso eixo e nossa segurança; confunde a nossa com outra
segurança; faz mesmo acreditar que nosso coração bate em outro corpo poético;
faz coisas imensas parecerem pequenas e, também seu inverso, coisas pequenas
parecerem grandes; garante aos nossos limites uma elasticidade tão grande que
nos constrangemos em nossa própria compreensão de nós mesmos...
Se me gostava amador, muito
mais agora me gosto amante...
Meio patético, eu sei. Mas até
esse ser patético me agrada... rsrsrsrsrsrs... Inclusive quando confunde alguns
tolos que me acreditam apenas sabedor do uso do coração como único músculo que
pulsa; ignorantes eu sua parca visão, e também não teriam como saber, sei fazer
bom uso de outros músculos que pulsam, mas, estão certos, prefiro fazer-lhes
uso em conjunto: um pulso estimulando outro, e outros em cadeia pelo corpo e
pela alma até um êxtase real que dura horas, dias, semanas, anacrônico a
qualquer simples ato que o tenha dado origem.
Escutei, de várias bocas, em
várias perspectivas, que todo amor tem suas traições e, embora monogâmico de
carteirinha, me descobri traidor. Deixei crescer em meu peito uma paixão
antiga, e passei a dedicar meus pensamentos, minha saudade, a ela, de forma a,
ao menos nesse instante, não poder estar em qualquer relação sem sentir-me infeliz
e traidor.
Para não ser incoerente com
tudo o que apregoei, desatei todos os laços, despi-me dos sonhos, peguei de
volta o meu coração poético implantando meio que a força em peito outro, e saí,
limpo, leve, alegre como a muito não me sentia, em busca da minha antiga
paixão. Chorei porque, tendo-a mandado longe e em tantos caminhos, não sabia
nem por onde começar a procurá-la. Apenas sentei e chorei a dor da minha
saudade... Não imaginava que a verdade dessa saudade pudesse ir tão longe e
percorrer os milhares de quilômetros de linhas invisíveis que nos uniam e, uma
a uma, todas as partes que deixei livres, foram voltando, e por excelência,
para cada uma fiz festa, porque não conseguia deixar de fazê-la tamanho o
encantamento que me causavam a cada chegada, pela beleza amadurecida adquirida nesse
tempo de emancipação.
E fomos chegando e compondo...
compondo e chegando... reabilitando o que se partiu e partiu, sem nunca deixar
de ser um, todo. Fomos compondo e chegando, pondo a mesa para um café demorado
de fim de tarde. Fomos chegando e compondo a melodia dos que se reencontram...
E os dias, as bobagenzinhas
próprias de corações pueril-senis, ganharam nova cor e novo encantamento, agora
contempladas por uma multiplicidade de sentidos (sensações e olhares) que,
mesmo que tivesse infinitas vidas, abriria mão de todas elas, para levar a
cabo, em excelência, apenas uma, essa, vivendo todas no encantamento e na exuberância
quase imperceptível de uma só.
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