Puxa vida!!! Essa Páscoa (2013) nos veio bem
intensa: um novo Papa, que coexiste junto a um outro emérito; problemas
econômicos na antes inoxidável Europa; um assessor de direitos humanos no
Brasil mulato e de alisamento e chapinha no cabelo, mas declaradamente
preconceituoso com raça e homofóbico; a França, berço da cultura humanista e
dos direitos humanos marchando contra esses mesmos direitos.
Sejamos todos muito bem vindos a pós-modernidade!!!
Acho muito cabido essa prévia reflexão, vivemos
uma troca constante entre fazer a cultura e “ser feitos” por ela, e isso não se
dá ao acaso, está intrinsecamente ligado ao momento histórico, às respostas que
precisamos dar imediatas aos ares do tempo que nos toca – Não existe cultura desvinculada
do seu momento histórico nem tão pouco pessoas desvinculadas da cultura, muito
menos culturas iguais.
Desejei um “boas vindas à pós-modernidade” e o fiz
porque, em tudo que tenho refletido, estudado, tentado sentir sobre esse tempo,
tento situar nesse contexto – não podemos pensar o atual com o olhar do antigo
(embora o antigo olhar ainda tenha muito peso em nós). Mas afinal, o que tem
esse tal tempo pós-moderno? Para responder, não vou entrar em elucubrações
científicas, apenas apelar pra sua sensibilidade: há 30 anos atrás, telefonia móvel
eram propostas de filme de ficção científica – na atualidade não nos vemos sem os
celulares; nos comunicamos incessantemente sobre tudo e para tudo e, sem menos confusão
mental, nos pegamos imaginando como era quando não os tínhamos (já pensou
nisso? Já fez o exercício de, num momento onde o celular foi bem útil na
resolução de um problema, imaginar o tempo, não distante, onde não os
tínhamos????); E a internet??? Gente, me pego pensando quando, há bem pouco
tempo, enciclopédias caríssimas enfeitavam as salas ostentando um “Q” de “aqui
tem uma família culta” e, pobres de nós, passávamos um tempão procurando algum
assunto específico e fazendo manuscritos para entregar na escola, fechados e condicionados
a uma realidade extremamente imediata a nós, alheios a um mundo que parecia
enorme e distante de nós e para o qual parecíamos indiferentes – um mundo de
figurinhas na enciclopédia). Não só! Pela internet nos comunicamos, fazemos
compras, pagamos contas, acessamos informações por todo o mundo e nos
conectamos a esse mundo quando decidimos emitir nossa opinião (como aqui
fazemos). Em resumo, tivemos mais desenvolvimento tecnológico nas últimas
quatro décadas que em todos os séculos de cultura humana anteriores. Produzimos
essa cultura de informações express e somos produzidos por ela, mas não com
poucos danos e poucas tensões. Somos muito resistentes a mudanças!!! Produzimos
mudanças constantes que nos obrigam a mudar junto, mas somos temerosos em
mudar. A queda de barreiras territoriais promovida pela internet abriu nossas
culturas para uma apreciação coletiva e algumas questões, latentes em todas
elas, passaram a circular e exigir reflexão sendo, algumas das mais imediatas,
os direitos humanos e as novas configurações de gênero e as respectivas
famílias produzidas por elas.
Esse meio cultural aparentemente hostil, pela sua
flexibilidade, empurrou, ao mesmo tempo que para o mundo como um todo, cada um
de nós para dentro de nós mesmos numa atitude inconsciente de autopreservação.
A antiga cultura, com papeis bem estabelecidos, com o aparente conforto dessa
linha quase reta a ser galgada, sede lugar a uma nova onde não há certeza
alguma a não ser a de que as coisas continuaram mudando e, com as mudanças,
precisamos dar respostas; e essas respostas são extremamente pessoais. Nesse
ponto, no ponto da extrema pessoalidade em que vivemos, experimentamos um mundo
de coisas não mais sujeitas a uma apreciação por olhos moldados e adestrados
para um jeito específico de olhar, mas de olhar curioso, criativo e, esse olhar
egoísta, produz uma humanidade nova, que exige ser vista e reconhecida nas suas
variadas formas de construir sua felicidade. Nessa perspectiva, o antigo ditame
resumido em: “homem de bem, mulher de bem, cafajeste, puta, veado e sapatão”,
sede lugar a uma gama imensa, e não passível de catalogação, de possibilidades
de ser no mundo. Mas esse ser complexo, pós-moderno, sem catalogação, não
nasceu de chocadeira, veio ao mundo inserido numa família e também vai
constituir família. Nesse ponto mexe-se no eixo sustentador de uma cultura milenar
e de todas as instituições normatizadoras que balizaram nosso pensamento até
aqui.
Esse é, em linhas gerais, o contexto. Vamos agora
aos nossos pontos de reflexão de páscoa:
Um papa renunciou!!! Que maravilha!!! É ou não é
esse papa um homem pós-moderno??? Claro que sim! Ao ver deixar-lhe a força
física necessária para o cumprimento necessário do seu ministério, quebrando um
protocolo medieval, deixa o “trono” pedindo que ele seja ocupado por alguém que
possa dar respostas mais apropriadas as necessidades e ao tempo. Um lindo
exercício de humanidade, não foi? Os mais céticos podem dizer – “foi necessidade!”
– mas onde mais se revela nossa humanidade que não nas necessidades e
exigências do tempo? Enfim! Depois de breve burburinho: “habamos papam”. Quem
é? FRANCISCO, um latino americano com nome escolhido em alusão a Francisco de
Assis, um grande reformador do pensamento medieval que propôs um olhar de
igreja e do mundo para os pobres, um burguês que exercitou sua fé no abraço ao
objeto de maior preconceito da época “a lepra”. Devemos esperar que o Francisco,
contemporâneo nosso, também quebre preconceitos e se aproxime de quem os
sofre??? Sim! E não!
Não sei se vocês perceberam, mas nunca tivemos
tanta expectativa no que diz respeito a escolha de um papa, especialmente num
período de suposta perda de influência da Igreja católica. Mas porque o
esperamos tanto??? Porque esperamos ver suas posturas para nela nos espelharmos.
Perdidos, entre tantas realidades nos tocando todo o tempo, somos saudosos da
velha “viseira de burro” que nos
conduzia sempre e apenas para frente e para um lugar específico.
Mas devemos esperar que o papa toque, acolha, esse
novo jeito de ser humanidade na pós-modernidade. Não! Não devemos criar
expectativas! Estamos no meio de uma revolução e nenhum de nós está ainda assim
tão apropriado do contexto para desejar posturas definitivas. Estamos em
processo; estamos no olho do furacão; embora a complexidade da condição humana
seja antiga e estivesse apenas esperando aprender a falar de si, o dito até
agora ainda não é inteligível o suficiente para romper os preconceitos. Devemos
esperar do papa, assim como em toda a sociedade, um saudosismo da família
tradicional, aquela com papeis bem definidos e que deu as respostas necessárias
no seu tempo específico. Ela não vai deixar de existir! E que bom que não vai!
Não queremos abrir mão dela também! Devemos desejar que ela coexista, ensinando
as famílias novas de sua sabedoria. O tempo não propõe trocas, propõe anexos.
Vamos assistir e, se sábios, sem tensões, a retomada da identidade da família
tradicional, que precisa se reencontrar entre o antigo e o novo; esse retomar
identitário da família tradicional é quem vai abrir portas para o novo porque é
no seio dessa família tradicional que é gerada a nova humanidade com toda a sua
complexidade. Quando a “NOVA FAMILIA TRADICIONAL” acolher seus filhos em sua
complexidade, teremos campo fecundo para discutir as novas famílias.
Mas o que devemos esperar do papa Francisco então?
No mínimo, que ele olhe para os membros da Igreja, reconheça neles o germe da
pós-modernidade, olhe neles para além da uniformidade da liturgia e dos
hábitos, para a singularidade e complexidade e criatividade ali escondidos e
que precisa fecundar a Igreja de um novo ânimo. Um olhar medieval numa
estrutura medieval para acolher pensamentos pós-modernos é a receita perfeita
para distúrbios internos. Se o papa cuidar bem da singularidade dos que fazem a
Igreja católica, teremos lideres religiosos mais bem resolvidos, mais felizes e
mais encontrados em sua vocação e significação no mundo, mais um excelente
campo para se discutir a nova humanidade.
A Europa sempre ditou regra para o mundo. O
suposto berço da civilização, com suas culturas já experimentadas e enraizadas,
suas economias fortes e seu povo cheio de si. Vivemos tempos mutantes, falamos
sobre isso na introdução desse olhar. Nesses novos tempos nada é definitivo,
tudo está posto a mudar a qualquer momento e, com a Europa, não foi diferente.
Abalaram-se as economias; dinheiro mexe no eixo de segurança de vida das pessoas;
abalaram-se as antigas estruturas que faziam aquele povo tão cheio de si. Tanto
que, não com menos propriedade, o novo para é latino-americano – sede-se um dos
mais respeitados “tronos” para alguém de uma cultura de dominados que tende a
suplantar seus dominadores. Novos tempos, minha gente!!!
E a macha da França a favor da família tradicional
e contra o casamento homossexual???
Logo a França? Me perguntei. Eu sempre admirei a
França por ser esse sinalizador da cultura dos direitos humanos e, de repente,
é justamente de lá que vem a macha do retrocesso? Mas não tem retrocesso nenhum
nisso! A Europa está abalada pela série de intempéries que tem sofrido. Aquele
povo era hegemônico justamente num tempo onde as estruturas tradicionais
ditavam o rumo dos tempos. Nessa perspectiva, não obstante assistiremos esse e
mais outra série de acontecimentos aparentemente retrógrados que nada mais são
que a tentativa desesperada desse povo de fazer voltar as antigas estruturas
que aparentemente sustentavam sua hegemonia como se, fazendo voltar o velho
pudessem, com ele, voltar ao topo. Mas, não esqueçamos, eles tem direito de
tentar, tem direito de querer o que quiserem querer. Não podemos nos dizer
pessoas abertas ao novo se formos intolerantes ao direito do outro escolher o
que, escolhendo, o faz por acreditar que vai ser melhor pra si e, como já
vimos, não há mal nenhum em se querer que a família seja a base e o
sustentáculo da nossa cultura e da nossa sociedade.
E, em se falando de direitos humanos, tivemos,
aqui no Brasil, a escolha catastrófica de Feliciano para a secretaria dos
direitos humanos. Seria cômico se não fosse trágico! Mas gente, foi um dos mais
recentes e mais significativos propulsores de uma tomada pública de posição que
vimos nos últimos tempos dentro da esfera pública do Brasil. Assistimos anualmente
há 13 anos milhões de pessoas ligando para decidir quem fica ou sai do big
brother e, por essa escolha arbitrária, tivemos a alegria de ver acontecer uma
tomada de posicionamento democrática de centenas de pessoas, nas redes sociais,
querendo fazer públicas suas posturas a esse respeito – não chegamos aos
milhões do big brother, mas já foi um excelente começo. Dentre os manifestos
mais sagazes e inteligentes, li um, atribuído a Rita Le, que dizia mais ou
menos assim: esse homem é mulato, não é? E tem preconceito contra afrodescendentes?
E esse cabelo alisado e com chapinha? Hummmmmm... Também é homofóbico? Kkkkkkkkkkkk...
Pobre Feliciano, um homem pós-moderno, mulato, metrossexual que, para ter sua
parcela no comércio crescente da fé no Brasil, emitiu seu discurso sem base e
sem fundamento de separatismo e preconceito, se vê agora tendo de desdizer o
dito para garantir seu lugar num comércio bem mais valoroso na política
brasileira. Esse homem não me representa também! Não pelas palavras infames –
foram interesseiras e pontuais, cabidas dentro de uma cultura especifica para
garantir um bem específico; Não me representa justamente pela falta de um
posicionamento real, seguro, indiferente a benefícios pessoais.
Caramba! Pra quem não gosta de ler, essa postagem
ultrapassou todos os limites, kkkkkkk...
Mas, depois de tudo isso, cabe-nos agora
perguntar: ONDE ESTÁ JESUS EM TUDO ISSO?
Está na Igreja católica? Sim, está! Na macha da
família? Também! Em Feliciano? Claro que sim!
JESUS ESTÁ ONDE SEMPRE ESTEVE! Indiferente às
vicissitudes dos tempos? Nunca! Ao contrário: respeitoso a condição suprema do
livre arbítrio humano, deixando que nós construamos nosso tempo, façamos nossa
história.
JESUS ESTÁ ONDE SEMPRE ESTEVE! Ele não muda! As
pessoas mudam! Os tempos mudam! Houve um tempo em que a Igreja defendia o
preconceito racial pregando que negros não tinham alma. Isso nada tinha a ver
com Jesus, era ditame social, humano. Hoje defende a igualdade de raças. Não
foi Jesus quem mudou, o mundo é que mudou – e continua mudando.
JESUS ESTÁ ONDE SEMPRE ESTEVE! E é, certamente, a
imagem mais apropriada a nos guiar nesses tempos de confusão e dúvidas: comeu
com publicanos, perdoou adúlteras, olhou com amor para fariseus, acolheu no
reino recém inaugurado por seu sacrifício um ladrão. Ele vivia a máxima que
resume sua pregação e é apropriada a todo e qualquer tempo instaurado pela raça
humana: AMA A DEUS E AMA O TEU PRÓXIMO COMO A TI MESMO!
Nessa máxima, condição indelével para o fim do
preconceito, para o respeito e acolhimento a qualquer diferença, para o fim da
fome e da miséria, para a confraternização entre os povos, e para a tão sonhada
PAZ.
Ah! Termino esse texto muito emocionado. Como foi
bom reservar esse tempo em meio a essa correria toda para pensar a páscoa com
vocês. Na etimologia da palavra páscoa temos – passagem, e agregamos o conceito
– libertação. Vivemos mais que uma data comemorativa, vivemos um tempo de
páscoa, de passagem, de mudança, de novas formas de ser no mundo. Que saibamos
fazer essa transição mais leves, deixando para trás antigos pesos que já não
correspondem a quem e como somos humanidade hoje, libertos de ideias
separatistas... E que seja um o lema supremo a nortear nossa passagem: AMA A DEUS E AMA O
TEU PRÓXIMO COMO A TI MESMO!
Uma excelente, reflexiva, sentida, humana, páscoa
para todos!!!
Rennan Barros
OBS: Acho essa uma das imagens mais apropriadas do Cristo Ressuscitado...