segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Tenho inveja


Hoje estou triste, e corri a vir aqui escrever antes que a minha tristeza passe... dura sempre muito pouco, mas o suficiente para me fazer olhar para onde dói...

Não aprendi a sofrer, ou a ser um sofredor, não sei! As minhas dores são sempre limitadas pela minha compreensão delas, pela justa apreciação delas dentro do que me construí e como conseqüência da escolhas que fiz, o que tira de mim totalmente a idéia de sofredor... Mas eu adoraria ser um, sabe? Eu adoraria ser um sofrido a quem acalentam...

Sinto em mim a supremacia da razão que, sujeitando tudo, não inibe a emoção que me aflora por cada poro, mas anula a “melindrice” e os excessos. O que é bom... mas adoraria pensar menos... Entender menos... ponderar menos...

De fato, nunca fui um cara convencional, não me deixei escravizar pelas estruturas sociais e estereótipos. Por isso tenho muito orgulho do que construí de mim mesmo, mas será que sou livre? Quem olha para minha trajetória diz que sim... Mas o que é a liberdade? Sendo livre das convenções sociais fui sempre, por outro lado, preso às minhas próprias convenções, às minhas próprias representações das coisas e de tudo... preso às minhas amarras e ponderações... Sendo assim, sou de fato livre? Fiz da verdade uma bandeira; mas o que é a verdade? Um adolescente infrator entra numa casa para roubar e, surpreendido pelo filho do proprietário, de súbito, o mata, sendo alvejado na seqüência pelo pai do garoto. Na sala dois mortos. Nos velórios duas mães. Qual dessas dores é a mais sentida? Para essas mães, o pai que matou o adolescente assaltante é menos assassino para uma do que o é o adolescente morto para a outra?

Verdades... Pontos de vista... Histórias... Vidas... Onde está a verdade?

Conheço uma única verdade em Deus – Ele é a verdade – todo o resto é relativo!

Estou triste... sagrada a enxaqueca que me sensibiliza para comigo mesmo... e hoje, e talvez só por hoje, eu sinta inveja das pessoas do “submundo”; inveja dos loucos por não terem cadeias nem ponderação entre ações e conseqüências; inveja da falta de pudor das prostitutas; da frieza dos psicopatas; da lisura dos cínicos; da pureza indiscreta das crianças; inveja de Jesus por seu amor total; inveja das mães por descobrir o que é ter alguém por quem se tem coragem de dar a vida; tenho inveja das bolas de sabão que duram tão pouco mas que, em sua breve existência refletem, quando tocadas pelo sol, todas as cores do arco-íris antes de inexistirem; inveja dos amantes que arriscam tudo... Tenho hoje, e talvez só por hoje, inveja de tudo quase, e até de mim mesmo quando sou eu de fato...

E essa inveja de hoje provem de uma descoberta triste e incoerente com tudo o que acredito de mim: um coração egoísta para o amor. Tenho tanta sede de me dar que não sei me dar. Burro, na ânsia da intensidade, querendo derramar-me sempre todo em tudo, desaprendi que, de gota em gota, por um rachão, esvazia-se um pote e, diferente do que estourou e todo se derramou, experimenta ir-se esvaziando, descobrindo os espaços, tendo sempre cheia pela água que se infiltra e desce, a fissura que o fragiliza a ponto de o pôr sempre a espreita de estourar e perder-se por inteiro...

Hoje... hoje... não sei... não sei nada mais... nem o que queria dizer – se de fato quis dizer alguma coisa ou apenas não entendi que há dores que não se traduzem... Mas sinto o prazer de ser incoerente hoje... e hoje, e só por hoje, tenho inveja de tudo, até das pessoas coerentes sendo esse um mal o qual hoje, e só por hoje, rejeito...

Ao fim desse grande “nada dito” clamo a Deus nessa noite que vem depressa fazer-me gás quente e leve e, por ação do sopro do espírito, correr ligeiro o mundo inteiro tocando e provando tudo o que invejo para amanhã, ao acordar o de sempre, sabendo do amargor e doçura que há em tudo, retornar às minhas queridas coerências e ponderações que me trouxeram até aqui quem sou, para que, através delas, pesando e ponderando tudo, possa decidir continuar a ser quem tenho sido ou ser outro que ninguém e nada mais é que o eu essencial que sempre fui.

Um comentário:

S Roberta disse...

Rennan ao ler mais um belo texto onde se traduz de forma tão intensa a intimidade dos sentimentos... este levou-me a uma indagação particular...
Porque nos apresionamos tanto a RAZÃO??!!
Espero que antes do fim de minha existência consiga uma resposta que me impulsione a viver menos a RAZÃO e mais a EMOÇÃO, sem perder a essência de mim.
Obrigada por existir!!!!