Inverso ao que é próprio do inverno, neste ciclo, ele aqueceu, descongelou, como num processo criogênico, uma parte de mim tão essencial,
tão sublimemente essencial, que minh’alma parece mesmo colher flores que parecem
regadas de memórias, de memórias de sorrisos, de memórias de liberdade,
sonhos...
Acho que a alma tem mesmo desses artifícios de,
vez ou outra, criar pontes que parecem se projetar de nós mesmos para nos
libertar dos abismos que equivocadamente cavamos...
O fato é que, em pleno inverno, minh’alma floriu...
Tentar trazer à palavra essa sensação é uma tarefa
tão confusa, porque sempre que acesso isso em mim, a vontade primeira é fechar
os olhos e ficar no mais profundo silêncio, experimentar apenas, mas não posso
não comunicar, é muito pra ficar em mim.
Sempre tive o hábito de experimentar a vida... Já
nasci com esse suposto defeito de fabricação, mas se me convidassem a tentar
ensiná-lo diria: aguça teu olhar e presta atenção em tudo, não deixa escapar à
tua sensibilidade nenhum detalhe!!! Talvez esse seja o mistério: uma vida de
sensíveis detalhes. É nas sutilezas escondidas que a vida mostra sua exuberância!
A alegria real não está na festa surpresa, com o bolo gostoso e os amigos
sorridentes; está, na verdade, no momento em que alguém, motivado por amizade,
quis celebrá-la fazendo a festa. Embora palavras bonitas encantem nossos
corações, o amor talvez não esteja nas palavras afetuosas aprendidas em
romances e poemas, mas na bronca grosseira e impensada de alguém que nos ama
demais para aceitar sermos menos que o melhor que podemos ser ou fazer (ao
menos naquele momento).
A diferença está nos detalhes, em particular nos
aparentemente escondidos. A verdadeira brincadeira é encontrá-los. Talvez eu
tenha maior facilidade em perdoar um erro grande e imbecil, mas me firo
mortalmente quando se descuidam dos detalhes... Eles são a exceção, não a
regra... É o que sai do script... É aquela marca única que deixamos uns nos
outros, tão individual e irrepetível quanto nossas impressões digitais.
Falava do inverno... nele fui pra casa, minha
origem, o lugar sagrado da minha subjetivação, onde as paredes, se pudessem
delatar quantos sonhos presenciaram, me colocariam nu diante do mundo. Reencontrei,
sem pretensão, amigos, com a sensação de que nos havíamos encontrado no dia
anterior, quando já fazia anos do nosso último encontro. Sorrimos os sorrisos
leves da nossa infância, como se pudéssemos sair da forma que define infância e
senilidade. E eu voltei a sonhar com o infinito, a desejá-lo como quem deseja
água numa trajetória escaldante pelo deserto, mesmo sendo inverno.
E tudo voltou a ficar tão apertado, os moldes nos
quais passamos a vida inteira querendo caber tão incabíveis... Como quando
viajamos, fazemos nossa mala perfeitinha e, na volta, mesmo sem nada novo, as
roupas não cabem onde há pouco couberam (risos), é que desconsideramos que,
viajando, na volta, além de roupas trazemos sonhos que não vemos, mas ocupam
espaços em nós. Nesse inverno, viajei pra junto de mim e, ao tentar voltar, as
coisas já não cabem nas malinhas onde sempre couberam...
Agora não sei lidar com a sublimidade desses dias.
O inconvencional dá trabalho! Talvez por isso gostemos tanto dos moldes... os meus
já não me servem e a alma se projeta, como num presságio, de que algo
espetacular está sempre prestes a acontecer e, embora o deseje, dá medo.
Tendo como meta me tornar uma das pessoas mais felizes desse mundo, equivocadamente,
tenho medo de ser feliz demais sem poder entender essa felicidade.
Ao nosso Pai generosíssimo o recado: mesmo sem
merecimento, estou pronto para o novo e desde já o agradeço.
Ao povo da casa verde da orla do canal de São
Miguel, o Grin, Neidinha, Ana (a bonita), Fabinho (o neguinho de mainha), Zé e
Zita, obrigado por guardarem partes minhas que, quando em contato com vocês, me
fazem mais completo. Sejamos felizes!!! Muito felizes!!! Porque quando um de
nós o é, toda a humanidade torna-se mais feliz um pouquinho também.
Sugestão de música:
https://www.youtube.com/watch?v=cCYc8x4w6Lw
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