Tudo no mundo revela a grandeza de Deus: as cores, a natureza soberana... Mas nada como o ser humano! Nunca um só de nós se repetiu ou repetirá, o que faz de nós obras originalíssimas desse Artista amoroso...
Existem muitas teorias psicológicas e filosóficas que falam sobre o ser e o existir; pra ser bem sincero não as domino, mas vou tentar partilhar o que é ser e existir para mim:
Para mim existo desde que fui concebido e, por questão de fé, creio já existir mesmo desde antes como pulso amoroso do coração de Deus, mas tomemos a concepção por base de raciocínio. Ao existir, reconhecido como pessoa no mundo, trouxe impresso um traço de personalidade e um gênio, ambos fortemente influenciados pelas relações sociais e experiências vividas ao longo dos anos (é fato).
Do que trouxe comigo, e faço disso recordação desde a minha mais tenra memória, um traço sempre preponderou e forjou sua marca: uma espécie de desprezo pela opinião coletiva. Entenda-se: esse não é um processo 100%, nem poderia, posto que me importei sempre, de algum modo, com a opinião os meus pais e das pessoas que amo; mas a questão é que essas opiniões nunca influenciaram de forma direta nas minhas escolhas – escolhi, na maioria das vezes, segundo os valores do meu coração e minha consciência sem me importar que aparências ou o que achariam disso ou daquilo.
Como disse, reconheço nisso um traço, posto que não escolhi diretamente nem é para mim nenhum esforço pensar e sentir assim, ao contrário, é-me sofrido, por vezes, ter que agir do contrário para manter-me unido aos grupos sociais de que faço parte.
Essa suposta liberdade dos paradigmas sociais a minha volta me fizeram criar um mundo muito particular de valores e condutas muito próprios que, a sua maneira, agregaram ao meu existir uma certa inabilidade social, posta a pouca compreensão das pessoas desse mundo existencial pessoalíssimo e sem nenhuma preocupação em se revelar.
Ainda nessa dimensão existencial, habituado a esse mundo dentro, reconheci gostos e desenvolvi habilidades; os principais gostos: Deus e as pessoas; habilidades: sensibilidade para as questões humanas de uma forma tão exacerbada que me sinto próximo de tudo e todos, participante de toda e qualquer virtude ou desventura.
Aqui tentei explicar, resumidamente, a minha existência, entendida como a essência, o âmago de cada um e da construção que faz de si mesmo, na total liberdade.
Mas quanto a ser? O que sou?
Enquanto a existência é algo inerente o ser é algo social. O ser é o “ser no mundo”, é o conjunto de aptidões e escolhas que você faz, constrói e transforma numa ação social humana que será sua marca nessa trajetória.
Grosseiramente, o existir seria o conjunto das nossas construções interiores, e o ser a tradução disso numa construção exterior, social.
As habilidades de isenção a opiniões e sensibilidade à minha existência associadas me fizeram criar um mundo paralelo e certa inabilidade social que sempre foram para mim um entrave ao ser.
Do meu ser se dizia: “É um louco! Não sabe o que quer! É um perdido, nunca vai ser nada na vida!”. De fato, jamais haverá compreensão de uma existência que não se traduz em ser, que mais tende ao não ser e encontra nisso seu gozo!
Mas não dá para passar por essa existência sem ser posto que algo sou, mas o que sou? Qual é meu traço de “ser no mundo”?
Já passei pela psicologia, mas ela era rasa e paradoxal demais; passei pelas letras, exerci e vivi, a seu tempo, o prazer do magistério, mas fiz “as letras” não por ele, mas pelo gosto e fascínio da entrelinha; já passei pelo convento procurando um ser sublime que encontro mais verdadeiro aqui fora... O que sou afinal?
O que sei fazer que seja bom? Usei isso como pressuposto para análise. Sei fazer de tudo um pouco, nunca me amedrontei ante nenhuma tarefa, os que me conhecem sabem disso... Mas no que sou bom? Qual é meu traço forte que valha a dedicação do esforço e minha excelência?
Aí nada achei... Sou meio que um ambulante faz tudo, daqueles que empurram uma carrocinha gritando pela rua: concerta guarda-chuva, panela, amola alicate, tesoura... Essa também, a do faz tudo, é uma experiência digna de ser posta sua funcionalidade, mas como traço personal não “é”.
Zerada essa possibilidade, não havendo nada no que eu seja bom, enveredei por pensar no que, de todas as coisas que eu sei fazer, mesmo sem que eu seja nisso bom, tem a capacidade de me absorver de forma a me ter todo quando o executo? Aí não foi difícil achar!!! Duas coisas imediatamente se me mostraram seguras do seu poder de me absorver e fazer transcender e aproximar-me simultaneamente de Deus e dos homens: ESCREVER e CANTAR. Essas são as duas principais formas da minha comunicação com Deus e da comunicação do meu mundo interior com o exterior: LETRAS E SONS.
Sou professor por formação e um montão de coisas ou nada na expectativa dos outros, mas nisso não estou nem sou.
Fiz de mim a mais nova descoberta e que vale o meu esforço e o empenho de toda a minha vida sem com isso desprezar da tudo quanto amei até hoje.
Sei que de pouca aceitação e de dificílima execução posto o preconceito aos que trazem arte dentro, mas eis o que fiz de mim mesmo, assumo publicamente e o serei até o último dia da minha vida: MÚSICO e POETA.
Se aprouve a Deus imprimir em meus olhos um pouco do seu olhar ampliando-os para a observação de sutilezas pouco vistas, as que se mostram no claro, mas também no escuro da alma, pensa-me artista. E terei encontrado a glória verdadeira nessa vida, não exaltando-me aos olhos dos homens, mas aproximando-me ao máximo da justa medida do que Deus pensa de mim.
Rennan de Barros